Vamos abençoar nossos filhos?
Daquelas histórias que nos fazem pensar. Um taxista, em uma de minhas viagens recentes, já ao final da viagem, após termos falado da criação de nossos filhos, e eu ter tido a oportunidade de testemunhar a ele sobre minha fé e a influência desta fé sobre meus filhos, ele, que insistia em uma religiosidade tradicional, daquelas tantas que conhecemos, sem nenhum envolvimento mais profundo com o Senhor Deus, me fez um relato extremamente triste. Disse-me que sua mãe ainda em meia idade fora evangelizada por uma igreja pentecostal, se envolvendo a ponto de se tornar uma pastora naquela denominação, mas que, em suas palavras, teve uma morte das mais tristes que um ser humano poderia ter. Morreu demente. Tinha perdido completamente sua capacidade de raciocínio, num estado, considerado por aquele filho, como de extrema indignidade. Em seu tom de voz pude perceber a amargura de alguém que reputava ter sua mãe, pela fé que exercia, direito a uma morte mais digna. Este encontro me fez pensar sobre que expectativas temos gerado em nossos filhos sobre o que esperar nesta vida, vindo de Deus (Pv 10.1; 17.6; 22.6).
O sentimento daquele homem era de que Deus devia algo mais a ele e a sua mãe. Uma pessoa de fé deveria ter morte mais digna. Sua mãe merecia algo diferente, e como em seu julgamento isto não aconteceu, ele me explicitou que não queria aquele tipo de vida religiosa para ele. Era como se estivesse dizendo que dada a infidelidade de Deus, ele também não merecia ser reconhecido por aquele filho (Rm 3.3-4).
A preocupação que quero compartilhar é quantas pessoas em nosso meio ou já estão sem relacionamento com Deus, ou ficarão um dia sem este relacionamento, enquanto outros nunca aceitarão se relacionar com Deus, devido a expectativas incorretas que de algum modo foram construídas em seus corações (Mt 13.15; Lc 6.45; Rm 1.21).
Em algumas vidas está sendo construída a imagem de um Deus visto somente por um de seus tantos lados (se é que podemos falar assim). Ou seja, visto tão somente por uma de suas tantas características. Pais que passam a seus filhos um Deus que os livra dos males deste mundo, terão filhos incrédulos se um dia forem acometidos de males naturais. Não é incomum que pessoas com doenças cancerígenas, problemas degenerativos, e mesmo aqueles que morram de mortes consideradas violentas sejam consideradas como infiéis a Deus, pois para alguns, o fato de servirmos a Deus nos protege destas circunstâncias da vida.
Recentemente perdemos vários de nossos irmãos em Cristo no Haiti. Milhares morreram, inclusive muitos servos fieis de Cristo Jesus. Deveria Deus intervir de modo que seus servos não morressem? Parece que alguns alimentam este tipo de expectativa, e as ensinam aos seus filhos e a outros, não conscientes dos males que está plantando, não somente na carne dos que o ouvem, mas principalmente na alma, que ao final se decepcionará com Deus, que na verdade é o único fiel, e tem já guardado a vida dos salvos em Cristo Jesus (2Tm 2.13; 1.15; Hb 2.17)
O que estamos ensinando a nossos filhos? (Sl 132.12). O que estamos ensinando para aqueles que de alguma forma podem ser alcançados por nós? (Gl 1.8). Estamos ensinando que servimos a um Deus bondoso, que tudo fará para salvar a todos. A um Deus que nos ama, a ponto de dar o seu filho para salvar a todos os homens, e por tanto tudo fará, estando disposto a relevar todas as nossas falhas? Estamos ensinando que o que importa é crer, mesmo que sendo uma fé meramente intelectual, e que Deus honrará esta fé intelectual? Então não nos surpreendamos que ao menor problema eles abandonem a Deus, pois estas expectativas podem não se concretizar (Mt 13.3-23; 1 Tm 1.19-20).
Este Deus que é poderoso, maravilhoso, amoroso, e todas as demais qualidades especiais que possamos reconhecer, é o mesmo que viu seu filho morrer por nós. E espera que estejamos dispostos a morrer por seu filho. Assim aconteceu que quase todos os apóstolos. Na igreja primitiva a identidade dos cristãos era o “estar pronto para morrer pela fé”. Não a morte numa guerra, com armas mortais em punho, mas a humilde morte de uma testemunha de Cristo, cuja melhor expectativa não era uma vida longa e sem sofrimento, mas exatamente o oposto: ter a gloriosa oportunidade de morrer pelo nome de Cristo (At 7.55-60; 9.16; 12.1-2; 21.13; Fp 1.29; 2Tm 3.12).
Paulo não disse, mas viveu o que disse: “para mim o viver é Cristo e o morrer é ganho” (Fp 1.21). Quero edificar a vida de meus filhos. Preciso que eles saibam que servir a Deus não implica em estar livre dos problemas naturais a esta vida (Jo 16.33). Não é garantia de emprego, saúde e morte sem demência. E que Deus é bom em tudo que faz. E que mesmo que algo que pareça ruim aconteça em minha vida, se estou servindo a Deus, isto será usado por Deus para me abençoar, não exatamente no plano terreno, mas precisamente no que diz respeito a minha vida eterna (Rm 8.28-39). E isto é o que importa.
Vamos revisar o que estamos ensinando a nossos filhos para que amanhã não se desviem, por incorreção em nossa mensagem. Não corramos o risco de partir, ou termos alguma surpresa, que implique em um entendimento de que Deus não foi fiel, porque ele sempre é fiel. E talvez para alguns de nós já não haja muito tempo para dialogarmos com os nossos, e reforçarmos em seus corações uma perspectiva bíblica do que Deus quer de cada um de nós.
Por Samuel Alves